Para uma genealogia do estado territorial soberano.
Paulo Esteves
“Com base no método genealógico, conforme proposto por Michel Foucault, o artigo analisa as condições de existência do Estado territorial moderno. Trata-se de uma forma política que emergiu na Idade Clássica (séculos XVII e XVIII) e prosperou por meio da articulação de um regime de poder próprio: a soberania.”
“O conceito de soberania é hoje objeto de permanente escrutínio acadêmico e de debates políticos. Tal fato aponta a centralidade do conceito para a disciplina de Relações Internacionais, bem como para as práticas sociais que conformam a política mundial. Quando de sua emergência, e este é afinal o objeto de que trata esse artigo, o conceito de soberania desenvolveu-se como instrumento de afirmação da autoridade real sobre as múltiplas fontes de autoridade da ordem feudal.”
“O objetivo do artigo é, assim, realizar uma genealogia do estado territorial soberano e, em especial, do regime de poder soberano nascente na Idade Clássica. Nesse sentido, cabe lembrar que a emergência do estado territorial soberano é em geral atribuída aos tratados de Vestfália de 1648, que puseram fim à Guerra dos Trinta Anos.”
“Para tanto, o artigo constrói seu problema de pesquisa a partir de abordagens pós-estruturalistas, que têm ganhado relevância no interior do campo de estudos das Relações Internacionais.”
“Na primeira seção, pretende-se sumariamente apresentar os pressupostos do método genealógico que informa a análise. A segunda trata da emergência de um espaço lógico que irá constituir-se em condição de existência do estado territorial soberano.”
“Sumariamente, a tarefa do genealogista é a de isolar e registrar os pontos de emergência de sistemas interpretativos que "não conformam configurações sucessivas de idêntico sentido; ao contrário, resultam de substituições, deslocamentos, conquistas ocultas e reversões sistemáticas" (FOUCAULT, 1984, p. 86).”
“O recurso à noção de "ancestralidade" permite tratar a emergência daquilo que, por princípio, no presente, pareceria não problemático como resultado de uma sucessão de eventos arbitrários que conformam a ancestralidade de determinada interpretação e revelam, por fim, os contornos do próprio campo de forças responsável por sua sagração.”
“A emergência de uma determinada espécie é um instrumento-efeito de regimes de poder que se afirmam e superpõem no interior de espaços lógicos e seus interstícios.”
“Os espaços lógicos são, assim, grandes quadros de articulação entre poder e conhecimento em que se constituem, em regimes particulares de poder, modos de subjetivação/sujeição que terminam por produzir sujeitos qua objetos.”
“Esse passo trata da emergência, na passagem do Renascimento para a Idade Clássica, de um espaço lógico capaz de articular um conjunto de práticas discursivas e não discursivas que se constituiu como um quadro sincrônico que oferece inteligibilidade a toda uma época histórica, uma vez que permite a interpretação das condições de existência do estado territorial soberano, objeto da análise interpretativa proposta na próxima seção.”
“A segunda conseqüência refere-se ao fato de que esta organização pressupunha que a própria dinâmica comunitária orientava de acordo com um vetor que tem origem na criação e fim na eternidade.”
“A ancestralidade do conceito de soberania, tal como o conhecemos hoje, remonta ao final da Idade Média e ao Renascimento.”
“Na Idade Clássica, como a citação de Hobbes permite entrever, o conceito de soberania entra em circulação no interior do discurso jurídico-político como gládio brandido com vistas à constituição e justificação da administração monárquica (FOUCAULT, 2003, p. 34).”
“De fato, para além da dimensão político-jurídica articulada pelo regime de poder da soberania por meio do dispositivo da representação, a construção do Estado territorial mobiliza um conjunto complexo de tecnologias e técnicas disciplinares que transformam indivíduos em súditos.”
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